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Sejam bem vindos. O objetivo deste Blog é informar as pessoas sobre os mais variados assuntos, os quais não se vê com frequência nas mídias convencionais, em especial acerca dos direitos e luta da juventude e dos trabalhadores, inclusive, mas não só, desde o ponto de vista jurídico, já que sou advogado.

segunda-feira, 21 de abril de 2014

Direito de Greve do Servidor Público – CONSIDERAÇÕES SOBRE A ILEGALIDADE DO CORTE DE PONTO E DE REMUNERAÇÃO

 

Compartilho com leitores do Blog, parecer por mim escrito, enriquecido com colaboração do Dr. João Luiz Arzeno da SIlva, da Assessoria Jurídica Nacional da Fasubra, acerca da ilegalidade do corte de ponto e remuneração orientada pela Advocacia Geral da União às Universidades Federais brasileiras.

Adriano Espíndola.

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PARECER 05/2014

Sobre Direito de Greve do Servidor Público frente Memorando Circular 02/2014/PGF/AGU - ENRIQUECIDO COM ORIENTAÇÃO DA AJN DA FASUBRA

CONSULENTE: SINDICATO DOS TRABALHADORES TÉCNICO-ADMINISTRATIVOS EM EDUCAÇÃO DAS INSTITUIÇÕES FEDERAIS DE ENSINO SUPERIOR DO MUNÍCIPIO DE UBERABA / SINTE-MED

 

A respeito da Circular 02/2014/PGF/AGU de lavra da Advocacia Geral da União, datada de 26 de Março de 2014, dirigida aos Procuradores Chefes da IEF’s brasileiras, orientando o corte de ponto referente aos dias parados em virtude da greve em curso, a nova assessoria jurídica do SINTE-MED presta os seguintes esclarecimentos:

 

I.

É a Constituição Federal acerca do direito de greve do servidor público:

Art. 9º. É assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender.

§ 1º - A lei definirá os serviços ou atividades essenciais e disporá sobre o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade.

§ 2º - Os abusos cometidos sujeitam os responsáveis às penas da lei.

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

VII - o direito de greve será exercido nos termos e nos limites definidos em lei específica; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

 

II.

Em face da omissão do Congresso Nacional, em fazer aprovar lei específica sobre o exercício da greve no Serviço Público, em decisão proferida no Mandado de Injunção 708/DF, o STF estabeleceu que a Lei 7.783/89, que regulamenta o direito de greve na iniciativa privada, é aplicável às greve dos servidores públicos.

 

III.

Lado outro, como ensina o jurista Celso Antônio Bandeira de Mello “a relação jurídica que interliga o Poder Público e os titulares de cargo público, - ao contrário do que se passa com os empregados -, não é de índole contratual, mas estatutária, institucional.’’ (Curso de Direito Administrativo, 28ª. Ed., p. 256).

Por consequência, entendo que em caso de greve no serviço público, não se haveria de falar em suspensão de contrato de trabalho do servidor disciplinado pela Lei n. 8.112/1990, pois o servidor estatutário não firma contrato de trabalho com a administração, mas investe-se em cargo público, após formalidades previstas em lei, assinando, sim, termo de posse, tendo ainda sua vida funcional regrada em deveres e direitos previstos em estatuto próprio, isto é, a referida lei.

 

IV.

Todavia, esse não foi o entendimento abraçado pelo STF, pois ao proferir a decisão no Mandado de Injunção mencionado, não ressalvou a aplicação ao servidores públicos da suspensão do contrato de trabalho prevista no artigo 7º da 7.783/1989 em caso de ocorrência de greve.

É o artigo em comento da Lei de Greve (Lei 7.783/89):

Art. 7º Observadas as condições previstas nesta Lei, a participação em greve suspende o contrato de trabalho, devendo as relações obrigacionais, durante o período, ser regidas pelo acordo, convenção, laudo arbitral ou decisão da Justiça do Trabalho.

Ademais, é um importante trecho da citada decisão do STF:

“Nesse contexto, nos termos do art. 7o da Lei no 7.783/1989, a deflagração da greve, em princípio, corresponde à suspensão do contrato de trabalho. Como regra geral, portanto, os salários dos dias de paralisação não deverão ser pagos, salvo no caso em que a greve tenha sido provocada justamente por atraso no pagamento aos servidores públicos civis, ou por outras situações excepcionais que justifiquem o afastamento da premissa da suspensão do contrato de trabalho (art. 7o da Lei no 7.783/1989,).” Grifei.

 

V.

Assim, tanto do artigo 7º da lei destacado, como do próprio julgamento do STF, extraem-se elementos que demonstram que o corte de ponto não pode ser praticado de forma indiscriminada como orienta a circular aqui em estudo, pois se por um lado o artigo 7º diz que relações obrigacionais do contrato de trabalho (entre as quais a de pagar salários), durante o período de greve devem ser regidas pelo acordo, convenção, laudo arbitral ou decisão da Justiça, por um outro lado, a decisão do STF aponta que situações como o não pagamento de salário ou outras excepcionais são autorizativos para o não corte do ponto.

Neste contexto, considerando que com o atual movimento grevista a categoria busca o cumprimento total do acordo de greve de 2012, entendo ser esta uma situação de excepcionalidade autorizativa para o não corte de ponto, pois com a atual greve está tentando o governo cumprir o que se negociou para por fim na greve anterior.

Além disso, o corte do ponto, ou o seu não corte, como decorre do texto do artigo 7º da Lei 7.783/89 deve ser objeto de negociação (acordo) e se esse frustrar-se de decisão da Justiça (STJ em meu entendimento). Há a possibilidade das partes acordarem o pagamento de salários durante a greve, caracterizando interrupção do contrato de trabalho, e não suspensão. Inexistindo acordo entre as partes, caberá a Justiça decidir. Além disso, somente se a greve for considerada abusiva, os salários não devem ser pagos. Nessa linha, tem -se posicionado o Tribunal Superior do Trabalho, em julgamentos proferidos em greves do setor privado. (TST E_RR, 383.124, AcSBDI-1,j.27-9-99, Rel Min. Leonardo Silva, LTr 63-11/1494-5).

 

VI.

Assim, em meu entendimento somente após a declaração pela Justiça da abusividade e/ou ilegalidade do movimento grevista se faz possível o corte de ponto e/ou suspensão da remuneração dos servidores.

Conquanto, mesmo assim para que ele ocorra, tendo em vista os princípios que regem à Administração Pública, se faz necessária que sejam observados os princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, com a instauração do competente processo administrativo (inteligência do art. 5°, inciso LV, da Constituição Federal, assegura expressamente o direito ao contraditório e ampla defesa no processo administrativo).

Além disso, a Lei nº 8.112/90 (Regime Jurídico Único), através do art. 143, preceitua que "A autoridade que tiver ciência de irregularidade no serviço público é obrigada a promover a sua apuração imediata, mediante sindicância ou processo administrativo disciplinar, assegurada ao acusado ampla defesa”.

Ademais, para aplicar punição aos servidores com base em seu estatuto (Lei 8.112/90, arts. 116, X, e 117, I), o administrador público precisa, necessariamente, apurar os fatos, para que seja possível definir a tipificação exata da suposta irregularidade praticada, o que se dará mediante a instauração de, no mínimo, uma sindicância interna. Realizada esta, ainda segundo o que diz a lei, poderá dela resultar, conforme o art. 145 daquele diploma: (a) o arquivamento do processo; (b) advertência ou suspensão por 30 dias; ou (c) a instauração de processo administrativo-disciplinar.

Nessa linha de raciocínio, mesmo que se conclua que houve irregularidade na conduta do profissional, as penas identificadas pelo art. 127 do Estatuto do Servidor Público não mencionam, em qualquer dos incisos, a penalidade de corte na remuneração do agente.

Some-se a isso a condição imperativa de identificar individualmente cada servidor, cada conduta e cada penalidade a ser aplicada, de modo a possibilitar a instauração do contraditório e assegurar o constitucional exercício do direito de defesa.

A suspensão da remuneração dos servidores, caso ocorra, elevará a Administração à condição arbitrária e ilícita de definir bons e maus servidores, e a aplicar a penalidade que bem lhe aprouver, ainda que sem qualquer amparo legal e sem assegurar aos atingidos sequer o direito de defesa.

A ofensa ao princípio da legalidade, desta forma, é flagrante, restando proibida o corte de ponto na forma orientada pela AGU.

 

VII.

Ademais, não se pode perder de vista o teor do artigo 6º da Lei 7.783/89. Ele estabelece, em seu parágrafo segundo, ser vetado aos empregadores - no caso da greve no serviço público da FASUBRA, ao Governo Federal, seus Ministérios e às Reitorias - a adoção de meios para constranger o servidor ao comparecimento ao trabalho, bem como capazes de frustrar a divulgação do movimento.

Não há dúvidas que a adoção indiscriminada do corte de ponto é intimidar, é constranger aos servidores a não aderirem ou a não mais participarem da greve.

 

VIII.

E assim sendo, o corte de ponto na vigência do movimento grevista é uma medida extrema e deve ser adotada com reservas, em casos excepcionais, quando frustrarem as negociações sobre o tema e, ainda, houver declaração judicial de ilegalidade do movimento paredista.

Deste modo, cortes do ponto indiscriminados de servidores em greve, como orienta a Circular 02/2014/PGF/AGU, é uma prática é ilegal e abusiva, violando o direito de greve dos servidores públicos previsto na Constituição Federal e na Lei nº 7783/1989, podendo, inclusive, em resultar em responsabilidade pessoal dos dirigentes das Instituições de Ensino Superior.

 

IX.

Desta forma, a Circular da AGU enviada para os Procuradores da UFTM encontra-se em descumprimento a lei de greve, o que qualifica como ilegal sua atitude. Isso porque, o desconto em salário do trabalhador grevista representa a negação do direito de greve. Retira do servidor seus meios de subsistência, aniquilando o próprio direito. Não pode o governo federal ter esta postura, ferindo desta forma o direito de greve, conquista histórica dos trabalhadores e, tampouco, a Reitoria endossá-la.

 

X.

Nessa linha de pensamento, transcrevo ementa de decisão proferida pelo Juiz Valmir Peçanha do Egrégio TRF da 2a. Região, que bem analisa a questão suscitada neste parecer:

PROCESSO CIVIL E ADMINISTRATIVO – AGRAVO – SUSPENSÃO DE LIMINAR – GREVISTAS – VENCIMENTOS – GARANTIAS QUE SE NÃO AFASTAM – ART. 145 DA LEI Nº 8112/90.
I - Assim como o serviço público não pode sofrer a descontinuidade, não se pode seccionar o vencimento do servidor para, através desse seccionamento, aferir-se e abstrair os dias; é que ele esteve à disposição do trabalho - os dias efetivamente trabalhados e aqueles dias que foram dedicados, ou foram subtraídos da atividade formal, para uma atividade também pública, que é a atividade daquele que postula pelo direito próprio e por aquilo que se diz como regularidade da administração pública.

II - Vencimento é aquilo que percebe o servidor em razão da sua vinculação com a administração. Se a administração, com essa vinculação, viola o direito, é lícito que o servidor, ainda que em serviço público, se insurja contra essa onda desmedida de ceifa de direitos, através do movimento “paredista”, abstraindo qualquer consideração quanto a não ser ele regulamentado; mas é um fato, é um direito de fato. O trabalho, a prestação do servidor é um fato.

III - O preceito do artigo 37, inciso VII, da Constituição, permite o direito de greve a ser exercido nos termos e nos limites definidos em lei específica, e o artigo 5º da mesma Constituição, no seu inciso XIII dispõe ser livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer.

IV - A imposição de retorno, em verdade, implica anular o próprio direito. Tirando-se a remuneração, tira-se o direito. Não há quem vá fazer greve, para não receber remuneração alguma. Retirado o direito ao vencimento, está-se, claro, retirando o próprio direito, ou seja a essência dele.

V - A Constituição prevê o direito de greve, no art. 37, inciso VII, apenas transfere a regulação desse direito para uma lei específica, que é a Lei 7783/89, e como no caso específico essa greve ainda não foi julgada, ilegal ou legal, seria uma atitude inconstitucional, essa imposição ab initio do desconto dos dias parados, que significa invalidar o próprio direito constitucional. TRIBUNAL - SEGUNDA REGIÃO- AGTSL - Processo: 200302010093299 UF: RJ Data da decisão: 07/08/2003 Documento: TRF200104142 - DJU DATA:11/09/2003 PÁGINA: 120 Relator:JUIZ VALMIR PEÇANHA “ (grifei).

XI.

Neste diapasão, a orientação constante da Circular 02/2014/PGF/AGU, qual seja, o corte do ponto dos servidores em greve, além de ilegal e inconstitucional, se implementada pela Reitoria da UFTM, importará em prejuízos financeiros, funcionais e morais de grande monta a tais trabalhadores, tendo em vista o caráter estritamente alimentar de que se revestem os salários, retirando-lhes a sobrevivência própria e de seus dependentes, prejudicando a satisfação de compromissos anteriormente assumidos e impondo-lhes, inexoravelmente, a volta ao trabalho sem a solução dos problemas que motivaram a paralisação, o que é prejudicial ao serviço público, aos próprios servidores e a coletividade, face às sequelas daí decorrentes.

A ilegalidade gritante da orientação em comento, em face da autonomia administrativa da UFTM, garantida pelo artigo 207 da Constituição Federal, impõe a rejeição de seu acolhimento pelo Magnífico Reitor, até mesmo porque as orientações da AGU são meramente consultivas.

Caso opte pelo corte de ponto fulcrado na orientação constante da Circular 02/2014/PGF/AGU, o Reitor da UFTM ou de qualquer outra instituição de ensino superior federal que escolha esse equivocado caminho, poderá ficar sujeito à corresponsabilização pessoal e patrimonialmente pelos prejuízos que a implementação do corte de ponto e remuneração possam acarretar.

 

XII.

Isto posto, sugiro oficiar ao Magnífico Reitor da Universidade Federal do Triângulo Mineiro da ilegalidade da orientação contida na Circular 02/2014/PGF/AGU, de lavra da Advocacia Geral da União, datada de 26 de Março de 2014, enviando-lhe cópia deste parece.

Era o que havia para esclarecer e orientar.

 

ADRIANO ESPÍNDOLA CAVALHEIRO

ADVOGADO DO SINTE-MED UBERABA

Adriano Espíndola Cavalheiro, é advogado trabalhista em Uberaba/MG e assessor jurídico de entidades sindicais. Membro do corpo jurídico da CSP Conlutas e da Renap – Rede Nacional de Advogados e Advogadas Populares. É presidente da Comissão de Movimentos Sociais da 14ª Subseção da OAB de Minas Gerais (OAB/Uberaba) e Coordenador Geral do Instituto de Advogados e Advogadas do Triângulo Mineiro. É articulista da ANOTA - Agência de Notícias Alternativas. Email:advocaciasindical@terra.com.br