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Sejam bem vindos. O objetivo deste Blog é informar as pessoas sobre os mais variados assuntos, os quais não se vê com frequência nas mídias convencionais, em especial acerca dos direitos e luta da juventude e dos trabalhadores, inclusive, mas não só, desde o ponto de vista jurídico, já que sou advogado.

sábado, 14 de junho de 2014

E AGORA, GERALDO? Sobre a ilegalidade das demissões dos grevistas do Metro, por Jorge Luiz Souto Maior

Não satisfeito com as várias ilegalidades já cometidas contra o direito de greve, ilegalidades estas que, de fato, atingem toda a classe trabalhadora, o governador de São Paulo, que insiste em dizer que “ninguém está acima da lei”, afrontou uma vez mais a ordem jurídica ao determinar a dispensa arbitrária e por justa causa de 42 metroviários.

 greve-metroA arbitrariedade está tanto no procedimento adotado, o envio de um telegrama, com a notícia da dispensa, para as casas dos empregados, como se estes fossem estranhos, quanto no próprio fundamento utilizado:

Informamos o seu desligamento da Companhia por justa causa a partir do dia 09/06/14, com fundamento no artigo 482, alínea “b”, da Consolidação das Leis do Trabalho e no artigo 262 do Código Penal. Fica assegurado o seu direito de interposição do Recurso Administrativo previsto no Acordo Coletivo, no prazo de 3 (três) dias úteis a contar do recebimento deste telegrama. (Enviado no dia 09/06/14, às 10h07)

Vale lembrar que o julgamento da greve se deu no dia 08/06/14 e, portanto, o envio do telegrama às 10h07 do dia 09/06/14 não esteve, obviamente, relacionado a fato praticado após a decisão judicial sobre a greve.

Aliás, não está relacionado a fato algum. O telegrama diz apenas que o empregado está dispensado com base na alínea “b”, do art. 482, da CLT, que trata das figuras mais abertas e de conceituação mais complexa da legislação trabalhista: “incontinência de conduta ou mau procedimento”.

A “incontinência de conduta”, segundo Délio Maranhão1, caracteriza-se pela vida irregular incompatível com a condição ou com o cargo ocupado pelo empregado. Antônio Lamarca conta que a maioria dos autores relaciona esse tipo à vida sexual desregrada do empregado, com o que, em hipótese alguma, concorda Lamarca, o qual restringe a hipótese a atitudes sexuais desregradas no âmbito da empresa.2 Amauri Mascaro Nascimento3 diz que se trata de um comportamento irregular incompatível com a moral sexual, desde que relacionada com o emprego.

Mau procedimento, para Délio Maranhão, “está em todo o ato que revela quebra do princípio de que os contratos devem ser executados de boa-fé.”4 Antônio Lamarca o restringe a ato doloso praticado com o fim de prejudicar o empregador.5

Ambas são fórmulas que não dizem, concretamente, nada, trazendo consigo o grave risco de servirem para dizer tudo, isto é, servirem a qualquer propósito, pois se algo não tem um sentido preciso pode ter qualquer sentido.

Pois bem, fica evidenciado que se utilizou de fórmula aberta, para que depois fosse preenchida, deixando-se, inclusive, o parâmetro jurisprudencial normalmente utilizado para situações análogas, que é o de configurar a conduta do empregado que não retorna ao trabalho após a declaração da ilegalidade da greve como ato de insubordinação (art. 482, “h”, da CLT) ou abandono de emprego (art. 482, “i”, da CLT), sendo que na primeira hipótese ter-se-ia uma gradação que passaria pela advertência e pela suspensão, antes de se chegar à justa causa, e na segunda, somente se completaria após 30 (trinta) dias de faltas.

Para se chegar a uma justa causa por mau procedimento o trabalhador teria que cometer um ato com tal gravidade, totalmente contrário à boa fé, que inviabilizasse por completo a continuidade da relação de emprego, sendo que se teria que levar em consideração também a condição pretérita do trabalhador, pois a justa causa é sempre individualizada. Além disso, dentro de um contexto de greve a justa causa se examina com muito mais rigor, para que não represente ato de represália contra aqueles trabalhadores que foram os mais ativos no movimento.

Ocorre que não é de fato concreto algum que se trata. O telegrama condena a partir de uma simples citação ao artigo, abrindo prazo para recurso apenas para cumprimento formal de preceito de Acordo Coletivo, que confere uma garantia ainda maior aos trabalhadores contra arbitrariedades na dispensa. Mas recorrer do quê? Qual é a acusação?

No aspecto do outro artigo citado no telegrama, o do Código Penal, a questão é ainda mais grave, pois o trabalhador foi acusado de ter incorrido em um crime, e, concretamente, já foi condenado com a pena da perda do emprego, sem qualquer menção ao ato cometido, fazendo Kafka estremecer no túmulo.

Não é demais lembrar que nos termos da decisão do STF, proferida no RE 589.998, a dispensa, mesmo sem justa causa, de empregado de empresa pública deve ser motivada e a simples adesão à greve não constitui falta grave (Súmula 316, do STF), o que não se altera mesmo com a declaração judicial da abusividade ou ilegalidade da greve (RR-124500-08.5.24.0086, 8ª. Turma do TST, Relatora, Ministra Maria Cristina Peduzzi). Se os fundamentos fáticos para as dispensas fossem o não retorno ao trabalho e a participação ativa em greve considerada ilegal, que por si não ensejaria à justa causa, como visto, não seriam atingidos, como se deu, apenas alguns trabalhadores, seletivamente escolhidos.

As dispensas de 42 (quarenta e dois) metroviários, portanto, estão revertidas de grave ilegalidade, deixando transparecer que foram promovidas, então, em represália, com o objetivo de punir os trabalhadores como um todo pela greve e fazendo-o de modo a gerar medo nas demais categorias de trabalhadores.

No propósito de penalizar os trabalhadores, aliás, o governador não mediu esforços. Seguindo a linha de tratar movimentos sociais, estudantis e trabalhistas como casos de polícia, o que já havia feito quando enviou um enorme contingente policial (400 homens, dois helicópteros, cavalaria e diversas viaturas) para retirada de estudantes que ocupavam, em ato político, a reitoria da USP, em 2011; quando promoveu operação de guerra para desocupação do Pinheirinho, em São José dos Campos, em 2012; quando determinou ataque policial aos manifestantes do MPL, em 2013; quando, no dia 22 de fevereiro de 2014, autorizou que 260 pessoas, dentre as 10.000, que protestavam contra os gastos da Copa, fossem cercadas pela polícia e ficassem, então, em cárcere privado, na rua, com sua liberdade subtraída, sem que tivessem cometido qualquer tipo de ilícito; quando, no último dia 15 de maio, determinou que a polícia, literalmente, fosse para cima dos manifestantes e desmontasse mais um protesto que se realizava contra os gastos da Copa; o governador, por último, na semana passada, utilizou a tropa de choque para coibir piquetes pacíficos dos metroviários e, pelo uso da mesma força, sem qualquer autorização judicial, impediu que uma manifestação de solidariedade à greve dos metroviários ocorresse, levando à prisão 13 (treze) trabalhadores e chegando ao ponto extremo da prisão de um estudante da Faculdade de Direito da PUC/SP, Murilo Magalhães, que acusa ter sido torturado, o que exige apuração urgente, com bastante rigor, vez que ameaça abrir a porta ao regime ditatorial. E convenhamos: “Ditadura nunca mais!”.

A situação é extremamente grave e nos faz indagar: que Estado é esse que agride e prende pobres, estudantes e trabalhadores que estão lutando por construir uma sociedade melhor, sabendo, como todos sabem, que nossa sociedade ainda tem mesmo muito a melhorar?

Ocorre que mesmo diante de tantos ataques, os metroviários, com apoio de diversos segmentos da sociedade, assumindo a greve como direito fundamental e atuação política, resolveram manter-se em luta, sendo que desta feita pela readmissão dos trabalhadores ilegalmente dispensados. Prometem paralisação no dia 12/06/14, dia do jogo de abertura da Copa em São Paulo, caso não haja reversão dessa situação.

Nesse quadro, o que vai fazer o governo do Estado? Vai render-se às evidências e reconhecer o direito de greve dos metroviários e sentar-se, com responsabilidade, para uma negociação? Ou vai manter-se na ilegalidade, promovendo, por consequência, a ocorrência de uma situação de total desarranjo na cidade de São Paulo justamente no dia em que o mundo terá seus olhos voltados para cá? Vai mandar baixar o cacete nos trabalhadores, conduzindo-os coercitivamente ao trabalho? Vai mandar prender todos que forem às ruas em solidariedade aos metroviários? Vai determinar a prisão, sem processo, de 70% da população que apoia a greve? Vai calar as falas contrárias à política de criminalização dos movimentos sociais e estudantis e, agora, das reivindicações trabalhistas? Vai usar a força policial para impedir que se apurem as acusações de corrupção envolvendo o Metrô?

E depois? Nas eleições? Vai ameaçar de prisão a quem declarar voto em outro candidato?

É, meu caro, a escalada repressiva e autoritária em um país que, enfim, respira a democracia e está disposto a vivenciá-la, tem seu preço…

Enfim: e agora, Geraldo?

São Paulo, 11 de junho de 2014.

[1]. SÜSSEKIND, Arnaldo e outros. Instituições de Direito do Trabalho. 21ª ed. Vol. I. São Paulo: Ltr, 2003, p. 576.
[2]. LAMARCA, Antônio. Manual das justas causas. São Paulo: LTr. 1977, p. 367.
[3]. Curso de Direito do Trabalho. 14ª ed. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 557.
[4]. SÜSSEKIND, Arnaldo e outros. Instituições de Direito do Trabalho. 21ª ed. Vol. I. São Paulo: Ltr, 2003, p. 576.
[5]. LAMARCA, Antônio. Manual das justas causas. São Paulo: LTr, 1977, p. 362.

Publicado em 11/06/14 originalmente no Blog Boitempo:
http://blogdaboitempo.com.br/2014/06/11/e-agora-geraldo/

terça-feira, 10 de junho de 2014

JORGE LUIZ SOUTO MAIOR: As ilegalidades cometidas contra o direito de greve: o caso dos metroviários de São Paulo

 

Artigo originalmente publicado do Blog da Boitempo

Jorge Luiz Souto Maior

Tem-se assistido nos últimos meses, em âmbito nacional, um ataque generalizado contra as greves, fundado no argumento do respeito à legalidade. Mas, o que tem havido, juridicamente falando, é a negação do direito de greve tal qual insculpido na Constituição Federal:

Art. 9º É assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender.

Verdade que a própria Constituição prevê que “a lei definirá os serviços ou atividades essenciais e disporá sobre o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade” (§ 1º.) e que “os abusos cometidos sujeitam os responsáveis às penas da lei”.

É óbvio, no entanto, que essas especificações atribuídas à lei não podem ser postas em um plano de maior relevância que o próprio exercício da greve. Em outras palavras, as delimitações legais, para atender necessidades inadiáveis e para coibir abusos, não podem ir ao ponto de inibir o exercício do direito de greve.

A aversão cultural à greve, difundida por setores da grande mídia, infelizmente invadiu o próprio Poder Judiciário trabalhista, de tal modo a não permitir a percepção de que mesmo a Lei n. 7.783/89, que regulou com restrições que já seriam indevidas se considerarmos a amplitude do texto constitucional, não foi até o ponto de limitação ao qual o Judiciário tem chegado.

Vejamos, por exemplo, o caso dos metroviários de São Paulo.

Diante do anúncio da greve, deflagrada com respeito aos termos da legalidade estrita, ou seja, por meio do sindicato, mediante assembléia e comunicação prévia, de 72 (setenta e duas) horas, a entidade empregadora, Companhia do Metropolitano de São Paulo – Metrô, em vez de iniciar negociação, como determina a lei, se socorreu da via judicial, por meio de ação cautelar, para impedir a ocorrência da greve.

Essa foi, portanto, a primeira ilegalidade cometida pelo Metrô, que pode ser vista, inclusive, como ato antissindical, o que é coibido pela Convenção 98 da OIT, ratificada pelo Brasil, e já mereceria repúdio imediato do Judiciário. Lembre-se que o Brasil, mais de uma vez, foi repreendido pela OIT pela inexistência de mecanismos específicos que impeçam as práticas antissindicais, como se deu, em 2007, quando professores, dirigentes do Sindicato Nacional dos Docentes do Ensino Superior (ANDES), ligados a várias universidades – Universidade Metodista de Piracicaba (UNIMEP), Universidade Católica de Brasília (UCB), Faculdade do Vale do Ipojuca (FAVIP) e Faculdade de Caldas Novas (GO) – foram dispensados após participação em atividade grevista.

Indicando uma sensível mudança nesta postura do Judiciário frente ao direito de greve, é oportuno destacar a recente decisão proferida pela Sétima Turma do Tribunal Superior do Trabalho, em ação civil pública movida pelo Sindicato dos Empregados em Estabelecimentos Bancários de Belo Horizonte e Região (Processo n. RR 253840-90.2006.5.03.0140, Rel. Luiz Philippe Vieira de Mello Filho), que condenou alguns Bancos (ABN AMRO Real S.A., Santander Banespa S.A., Itaú S.A., União de Bancos Brasileiros S.A. – UNIBANCO, Mercantil do Brasil S.A., Bradesco S.A., HSBC Bank Brasil S.A. – Banco Múltiplo e Safra S.A) a pagarem indenização à classe trabalhadora por terem utilizado a via judicial como forma de impedir o exercício do direito de greve, o que foi caracterizado como conduta antissindical.

Segundo consta da decisão do TST: “A intenção por trás da propositura dos interditos era única e exclusivamente a de fragilizar o movimento grevista e dificultar a legítima persuasão por meio de piquetes”.

Nos casos aludidos teria havido abuso de direito das entidades patronais, ao vislumbrarem “o aparato do Estado para coibir o exercício de um direito fundamental, o direito dos trabalhadores decidirem como, por que e onde realizar greve e persuadirem seus companheiros a aderirem o movimento”.

Aliás, várias são as decisões judiciais que começam a acatar de forma mais efetiva e ampla o conceito do direito de greve, como se verificou, por exemplo, nos processos ns. 114.01.2011.011948-2 (1ª. Vara da Fazenda Pública de Campinas); 00515348420125020000 (Seção de Dissídios Coletivos do TRT2); e 1005270-72.2013.8.26.0053 (12ª. Vara da Fazenda Pública do Estado de São Paulo).

De tais decisões extraem-se valores como o reconhecimento da legitimidade das greves de estudantes, dos métodos de luta, incluindo a ocupação, e do conteúdo político das reivindicações, decisões estas, aliás, proferidas sob o amparo de uma decisão do Supremo Tribunal Federal, na qual se consagrou a noção constitucional de que a greve é destinada aos trabalhadores em geral, sem distinções, e que a estes “compete decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dela defender”, sendo fixado também o pressuposto de que mesmo a lei não pode restringir a greve, cabendo à lei, isto sim, protegê-la. Esta decisão consignou de forma cristalina que estão “constitucionalmente admissíveis todos os tipos de greve: greves reivindicatórias, greves de solidariedade, greves políticas, greves de protesto” (Mandado de Injunção 712, Min. Relator Eros Roberto Grau).

Trilhando o caminho dessa decisão, recentemente, o Min. Luiz Fux, também do STF, impôs novo avanço à compreensão do direito de greve, reformando decisão do Tribunal de Justiça do Rio (TJ-RJ) no que tange ao corte de ponto dos professores da rede estadual em greve. Em sua decisão, argumentou o Ministro: “A decisão reclamada, autorizativa do governo fluminense a cortar o ponto e efetuar os descontos dos profissionais da educação estadual, desestimula e desencoraja, ainda que de forma oblíqua, a livre manifestação do direito de greve pelos servidores, verdadeira garantia fundamental” (Reclamação 16.535).

Além disso, a Justiça do Trabalho, em decisões reiteradas de primeiro e segundo graus, tem ampliado o sentido do direito de greve como sendo um “direito de causar prejuízo”, extraindo a situação de “normalidade”, com inclusão do direito ao piquete, conforme decisões proferidas na 4ª. Vara do Trabalho de Londrina (processo n. 10086-2013-663-09-00-4), no Tribunal Regional do Trabalho da 17ª. Região (processo n. 0921-2006-009-17-00-0), na Vara do Trabalho de Eunápolis/BA (processo n. 0000306-71-20130-5-05-0511), todas sob o amparo de outra recente decisão do Supremo Tribunal Federal, esta da lavra do Min. Dias Toffoli (Reclamação n. 16.337), que assegurou a competência da Justiça do Trabalho para tratar de questões que envolvem o direito de greve, nos termos da Súmula Vinculante n. 23, do STF , integrando o piquete a tal conceito.

Pois bem, voltando ao caso específico da obrigatoriedade de negociação para continuidade das atividades do empregador em caso de greve, se ainda há dúvida a respeito vejamos o que diz a lei.

Preceitua o artigo 9º da Lei n. 7.783/89 que “Durante a greve, o sindicato ou a comissão de negociação, mediante acordo com a entidade patronal ou diretamente com o empregador, manterá em atividade equipes de empregados com o propósito de assegurar os serviços cuja paralisação resultem em prejuízo irreparável, pela deterioração irreversível de bens, máquinas e equipamentos, bem como a manutenção daqueles essenciais à retomada das atividades da empresa quando da cessação do movimento.” – grifou-se

Resta claro, portanto, que deflagrada a greve, que é um direito dos trabalhadores, cumpre a estes e ao empregador, de comum acordo, definirem como serão realizadas as atividades inadiáveis. As responsabilidades pelo efeito da greve não podem ser atribuídas unicamente aos trabalhadores, até porque esses estão no exercício de um direito. Aos empregadores também são atribuídas responsabilidades e a primeira delas é a de abrir negociação com os trabalhadores, inclusive para definir como será dada continuidade às atividades produtivas.

Não pertence ao empregador o direito de definir sozinho como manterá em funcionamento as atividades. A manutenção das atividades do empregador, com incentivos pessoais a um pequeno número de empregados, que, individualmente, resolvem trabalhar em vez de respeitar a deliberação coletiva dos trabalhadores, constitui uma ilegalidade, uma frustração fraudulenta ao exercício legítimo do direito de greve.

Ou seja, para a lei, a tentativa do empregador de manter-se funcionando normalmente, sem negociar com os trabalhadores em greve, valendo-se das posições individualizadas dos ditos “fura-greves”, representa ato ilícito, que afronta o direito de greve.

Qualquer tipo de ameaça ao grevista ou promessa de prêmio ou promoção aos não grevistas constitui ato antissindical, tal como definido na Convenção 98 da OIT (ratificada pelo Brasil, em 1952), que justifica, até, a apresentação de queixa junto ao Comitê de Liberdade Sindical da referida Organização.

No que se refere às consideradas atividades essenciais, a lógica é exatamente a mesma. O artigo 11 da lei 7.783/89 dispõe que “Nos serviços ou atividades essenciais, os sindicatos, os empregadores e os trabalhadores ficam obrigados, de comum acordo, a garantir, durante a greve, a prestação dos serviços indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade” (grifou-se), acrescentando o parágrafo único do mesmo artigo que “São necessidades inadiáveis, da comunidade aquelas que, não atendidas, coloquem em perigo iminente a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população”.

As responsabilidades quanto aos efeitos da greve atingem, portanto, igualmente, trabalhadores e empregadores. Isso implica que cumpre ao empregador iniciar negociação com os trabalhadores, coletivamente considerados, para manutenção das atividades, estando impedido de fazê-lo por conta própria, utilizando-se de trabalhadores que, por ato individual, se predisponham a continuar trabalhando, seja por vontade própria, seja por pressão do empregador, em virtude de ocuparem cargos de confiança (supervisores, por exemplo) ou por se encontrarem em situação de precariedade jurídica.

Não pode haver dúvida, portanto, de que o Metrô ao se valer da via judicial para que obtivesse decisão judicial obrigando os metroviários a manterem 100% da frota em funcionamento no horário de pico descumpriram sua obrigação legal de definirem essa questão de comum acordo com os trabalhadores, cometendo grave ato de natureza antissindical.

Cometeu ilegalidade também ao manter o funcionamento de algumas estações e alguns trens por meio da utilização dos serviços de empregados do setor administrativo e com função de supervisores, porque essa possibilidade não lhe é conferida por lei, além de se constituir descumprimento da obrigação de manter um ambiente de trabalho seguro, tendo posto em risco a vida desses trabalhadores e dos consumidores dos serviços.

Não satisfeito com o indeferimento da liminar em ação cautelar, o Metrô, mantendo a linha da ilegalidade, propôs dissídio de greve, obtendo liminar que determinou aos trabalhadores a obrigação de manter 100% do funcionamento dos trens nos horários de pico (das 6h às 9h e das 16h às 19h) e de 70% nos demais horários de operação, sob pena de multa diária de R$ 100.000,00.

Ora, do ponto de vista legal, essa definição teria que ser fixada de comum acordo entre trabalhadores em greve e a entidade patronal e não pelo Judiciário, ainda mais antes de ter sido iniciada uma negociação a respeito entre as partes. Além do mais, o percentual fixado equivale, na essência, a negar a própria existência da greve, o que fere a lógica normativa.

Ainda que houvesse a iminência de um risco de grave dano à população como um todo em virtude da greve, cabia ao Judiciário chamar à responsabilidade a entidade patronal e não dar guarida à sua pretensão de utilizar a via judicial como forma de descumprir a obrigação legal da negociação quanto à forma de continuação das atividades.

Vale frisar que pelos parâmetros legais não é possível obrigar os trabalhadores retornarem ao trabalho, mesmo no caso de atividades essenciais, pois como preconizado pelo art. 12 da lei em comento, não se chegando ao comum acordo, cumpre ao Poder Público assegurar a prestação dos serviços indispensáveis.

Na linha das ilegalidades cometidas contra o direito de greve, veio o grave ataque da Polícia Militar, na sexta-feira, aos trabalhadores que exerciam o seu lídimo direito de realizar um piquete na estação Ana Rosa do metrô. Ora, como dita o art. 6º. da Lei n. 7.783/89, “são assegurados aos grevistas, dentre outros direitos: I – o emprego de meios pacíficos tendentes a persuadir ou aliciar os trabalhadores a aderirem à greve”.

Verdade que esse mesmo dispositivo diz que “As manifestações e atos de persuasão utilizados pelos grevistas não poderão impedir o acesso ao trabalho nem causar ameaça ou dano à propriedade ou pessoa” (§ 3º.), mas o que se pode extrair daí é a existência de um conflito de direitos, que se resolve em contenda judicial, e não pela via do “exercício arbitrário das próprias razões”, que, inclusive, constitui crime, conforme definido no art. 345, do Código Penal, sendo certo, ainda, que no conflito de direitos há que se dar prevalência ao exercício do direito de greve, pois no Direito do Trabalho a normatividade coletiva supera a individual, a não ser quando esta seja mais favorável. Recorde-se que é a partir dessas premissas que se tem entendido imprópria a interposição de interdito proibitório contra piquetes, como visto acima.

Assim, não é função da Polícia Militar intervir em conflito trabalhista e definir arbitrariamente que direito deve prevalecer, reprimindo um interesse juridicamente garantido e tratando trabalhadores como criminosos.

No caso específico do ataque feito pela “tropa de choque” da Polícia Militar aos metroviários a gravidade da ilegalidade cometida, que foi ilegal também porque feriu direitos de personalidade dos trabalhadores, já que a integridade física e moral de muitos foi concretamente atingida, ganha o gravame de ser a Polícia Militar diretamente ligada ao chefe do Poder Executivo do Estado de São Paulo, que também responde pela Companhia Metropolitano de São Paulo. Assim, o governador, que teria autorizado expressamente a operação, segundo informa a imprensa[1], utilizou, indevidamente, a força policial a serviço de um interesse próprio, dentro da esfera restrita de um conflito trabalhista com os trabalhadores do metrô, desviando a Polícia de sua função específica e cometendo um grave atentado ao direito sindical, até porque sua ordem não foi embasada em qualquer autorização judicial.

Não bastasse isso, noticia-se que o governo estadual enviou, na manhã de sábado, 220 telegramas para pressionar condutores de trens a comparecerem ao trabalho a partir das 14h[2], em mais um ato de flagrante ilegalidade, pois como dispõe o § 2º., do art. 6º. da Lei n. 7.783, “É vedado às empresas adotar meios para constranger o empregado ao comparecimento ao trabalho, bem como capazes de frustrar a divulgação do movimento”.

Como se vê, houve uma gama enorme de ilegalidades cometidas contra o direito de greve que fora regularmente exercido pelos metroviários e chega a ser surreal imaginar que em um julgamento, marcado para o domingo, o Judiciário trabalhista, deparando-se com todas essas questões fáticas e jurídicas, julgue a greve ilegal.

Ora, os trabalhadores exerceram o seu direito. O Metrô não cumpriu sua obrigação de negociar o prosseguimento das atividades, indo direto à via judicial. O Judiciário, sem instaurar negociação, ou seja, em decisão liminar, definiu a continuidade dos serviços de um modo que, em concreto, negou o exercício do direito de greve. Depois, na negociação iniciada no processo judicial instaurado, já sob o peso de uma condenação, ainda assim os trabalhadores propuseram uma solução para que a atividade essencial fosse mantida: a abertura das catracas, aceitando, inclusive, o não recebimento de salário pelo dia de trabalho. Mas, a proposta foi recusada, sob o discutível argumento de que essa solução estaria impedida pela lei de responsabilidade administrativa e não houve qualquer contraproposta, mantendo-se o Metrô sob o parâmetro já definido arbitrariamente pelo Judiciário. Além disso, o Metrô colocou estações e trens em funcionamento por pessoal não especializado, com apoio policial, sem autorização judicial para tanto. O governo estadual direcionou a Polícia Militar para coibir atividade de piquete de trabalhadores, chegando a agressões físicas e morais, e enviou telegramas aos trabalhadores, coagindo-os ao trabalho.

Foram, efetivamente, várias as ilegalidades cometidas contra os trabalhadores e ainda na perspectiva da legalidade não cumpre avaliar se o percentual de reajuste pretendido pelos metroviários (12,2%, que reflete o IGPM mais o aumento da demanda do ultimo ano – produtividade) é alto ou não, até porque a Constituição Federal garantiu aos trabalhadores os meios jurídicos para buscarem melhores condições de vida e de trabalho. Ademais, as propostas formuladas não se limitam ao aspecto econômico, trazendo, também, discussões em torno do plano de carreira, inclusive para enfrentar o “turnover” (rotatividade de pessoal). Vale lembrar que o próprio relator do processo, Desembargador Rafael Pugliese, já chegou a sugerir um percentual de 9,5%, contra os 8,7% oferecidos pelo Metrô, que foi recusado por este[3], e mesmo as propostas de plano de carreira, que não envolvem questão econômica imediata, também não foram aceitas. De fato, a dinâmica da negociação entre trabalhadores e empregadores é que vai definir as possibilidades de sucesso das respectivas pretensões, cumprindo-lhes, enquanto isso, por ato de comum acordo, garantir “a prestação dos serviços indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade”, acordo este que, até o momento, foi obstado pela Companhia Metropolitano de São Paulo, por intermédio da utilização de mecanismos que afrontaram vários preceitos legais.

Para preservar a autoridade da ordem jurídica, portanto, cumpre ao Judiciário garantir o direito de greve, podendo, por exemplo, autorizar, na ausência de outra proposta trazida pelo Metropolitano, a liberação das catracas como forma de garantir “a prestação dos serviços indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade”, até porque essa é, de fato, a vontade de 90,29% dos que responderam a pesquisa realizada pelo portal R7[4].

É essencial, ainda, que sejam reprimidas as diversas ilegalidades até aqui cometidas pela Companhia Metropolitano de São Paulo e pelo governador do Estado de São Paulo, valendo lembrar que a atitude antissindical do Metrô já se manifestou anteriormente, em 06 de agosto de 2007, quando por conta da greve ocorrida nos dias 02 e 03 de agosto, essa entidade promoveu a dispensa de 61 metroviários.

Aliás, na linha da criação de institutos de inibição de mecanismos de repressão ao direito de greve, conforme requerido pela OIT, é relevante que se passe a pensar também o quanto as condutas de certos meios de comunicação, que divulgam informações equivocadas quanto ao exercício do direito de greve, se configuram como atos antissindicais, vez que tentam deslegitimar as greves e desmoralizar os grevistas, acusando-os de estarem causando um mal à população, negando, em concreto, a greve como um direito fundamental, como de fato é segundo previsto em nossa Constituição.

Bem verdade que a população, que, na sua maior parte, cada vez mais se identifica como trabalhadora na sociedade de classes, já não se deixa mais levar pela informação massificada e desvirtuada da realidade, como demonstra o resultado da pesquisa realizada pelo portal R7[5], que aponta que 82,2% dos que responderam a pesquisa concordam com a greve dos metroviários. Mas isso não retira o caráter de ilegalidade, por se constituir conduta antissindical, em que se traduzem as propagandas midiáticas contra as greves.

São Paulo, 8 de junho de 2014

[1]. “O secretário comentou a ação da PM na manhã desta sexta na estação Ana Rosa, quando policiais agrediram os grevistas com bombas de gás e balas de borracha. Ele disse que manteve contato com o governador Geraldo Alckmin (PSDB) e o secretário de Estado da Segurança Pública, Fernando Grella Vieira, para pedir reforço policial.

— Eu tinha exposto ao governador que havia risco hoje de situação de radicalização. Nas primeiras horas, recebi as informações de que eles ocupavam duas estações. O governador foi muito tranquilo e pediu de energia, dentro da lei.” (http://noticias.r7.com/sao-paulo/metro-envia-telegramas-para-convocar-grevistas-e-ameaca-demissoes-06062014, acesso em 07/06/14).

[2]. http://noticias.r7.com/sao-paulo/metro-envia-telegramas-para-convocar-grevistas-e-ameaca-demissoes-06062014, acesso em 07/06/14.

[3]. http://cspconlutas.org.br/2014/06/metro-de-sp-pesquisa-feita-r7-aponta-que-77-da-populacao-sao-a-favor-da-greve-e-86-favoraveis-a-catraca-livre/, acesso em 08/06/14.

[4]. http://noticias.r7.com/sao-paulo/greve-no-metro-acaba-se-governo-aceitar-catraca-livre-diz-sindicato-05062014?r7_result=success&time=1402065544444#r7poll_53903ba16c4db2bda3000c62, acesso em 08/06/14, às 02h38.

[5]. http://entretenimento.r7.com/hoje-em-dia/enquetes/voce-concorda-com-a-greve-dos-metroviarios-de-sao-paulo-.html, acesso em 08/06/14, às 02h33.

Jorge Luiz Souto Maior é juiz do trabalho e professor livre-docente da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP). Autor de Relação de emprego e direito do trabalho (2007) e O direito do trabalho como instrumento de justiça social (2000), pela LTr, e de um dos artigos da coletânea Cidades rebeldes: Passe Livre e as manifestações que tomaram as ruas do Brasil (2013) e do lançamento Brasil em jogo: o que fica da Copa e das Olimpíadas? (2014), ambas pela Coleção Tinta Vermelha, da Boitempo

segunda-feira, 9 de junho de 2014

Greve no Metrô: quem prejudica a população?

Por ALTINO PRAZERES JÚNIOR

Diariamente, milhões de usuários são afetados com a paralisação dos serviços do Metrô. Diante desse cenário dramático, é necessário encontrar uma saída negociada para acabar com o impasse e restabelecer o funcionamento desse serviço essencial à população. Essa é a vontade dos metroviários. Esperamos a mesma postura e responsabilidade do governo do Estado de São Paulo.

Até o momento, porém, ao invés do diálogo e da negociação, o governador age de forma intransigente e autoritária. Após inúmeras rodadas de conversa, a companhia, sob orientação do governo do Estado, se negou a atender as justas demandas dos trabalhadores. O Metrô chegou, inclusive, a negar a sugestão do Tribunal Regional do Trabalho (TRT), que propôs 9,5% de reajuste salarial.

Os metroviários, por sua vez, assumiram uma postura de absoluto respeito à população. Propusemos uma saída ao impasse criado: a liberação das catracas aos usuários durante o período de negociação coletiva. Em troca, não haveria greve. Dessa forma, a população não seria prejudicada. Ao contrário, se beneficiaria da gratuidade no serviço.

A opção foi rechaçada pelo governador. Alckmin colocou supostos interesses financeiros acima das necessidades do povo. Os metroviários cederam ainda mais. Se dispuseram a trabalhar de graça enquanto as catracas estivessem liberadas. Contudo, mais uma vez, o governo recusou a proposta.

A preocupação "financeira" do governador nos causa estranheza. Afinal, não há a mesma "preocupação" perante os gritantes escândalos de corrupção que abalam o sistema metroviário de São Paulo. O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) estima que pelo menos R$ 425 milhões saíram dos cofres públicos para abastecer o esquema de corrupção. E o Ministério Público (MP) já falou em cerca de R$ 2,5 bilhões. Ainda de acordo com a investigação, o cartel superfaturou obras do Metrô e trens em 30%.

O dinheiro que corre pelos ralos da corrupção falta aos investimentos necessários para ampliação da rede metroviária e para o atendimento das legítimas reivindicações dos trabalhadores da categoria.

O resultado da falta de investimentos é um só: o sufoco diário de milhões de paulistas nos trens superlotados. Na última semana, Geraldo Alckmin acusou os metroviários de causar o "caos" em São Paulo. O governador, que não anda de metrô, mas de helicóptero e carros luxuosos, deveria saber que o caos é diário e que a superlotação e as recorrentes interrupções no serviço expõem a população a riscos constantes. Situação parecida vive a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp), que, sucateada e semiprivatizada, encontra problemas em levar água para 23% das residências.

Os metroviários não estão em greve somente por um salário digno. Estamos em luta também pelo transporte público de qualidade, que é um direito de todos e dever do Estado. Portanto, não pode ser tratado como uma mercadoria para dar lucro à meia dúzia de executivos. Por isso, como apontou pesquisa realizada pelo portal R7, mais de 80% da população apoia a nossa greve.

Reafirmamos a necessidade de uma saída negociada. Queremos voltar ao trabalho e atender a população com a excelência de sempre. Para tanto, é necessário que o governo Alckmin reveja sua postura intransigente e radical. Não é com balas de borracha e gás de pimenta que se deve tratar o trabalhador. Nesse sentido, solicitamos a presidente Dilma que intervenha junto ao governador para abertura das negociações. Essa é a sincera disposição dos metroviários. Com a palavra, o governador Geraldo Alckmin.

ALTINO DE MELO PRAZERES JÚNIOR, 47, é presidente do Sindicato dos Metroviários de São Paulo e dirigente da Central Sindical e Popular (CSP-Conlutas)